Sofia Lobo / Zé Diogo
INF_ _ CIA
Respirar (n)a belíssima casa dos Ferrand fez-me ancorar na infância.
Estas paredes, escadas e janelas levaram-me lá atrás, devolveram-me à casa onde cresci. Pedaços de família, sons, vozes, pessoas, pertences, momentos esquecidos ou nem sequer vividos, farrapos, num ir e voltar de tempo lento às minhas origens.
Mais ou menos da idade desta, a casa onde fui menina tinha a porta sempre aberta, sem chave, gente a entrar e a sair, coisas para fazer. Era largo o espaço, casa, loja, funerária, forno, armazéns agrícolas e de coisas para vender, jardim, quintal, pátio, árvores, flores, caixões, animais, currais… e eu sabia de recantos muitos, onde por vezes só eu respirava e que defendiam a minha timidez.
Na casa dos Ferrand, primeiramente escolhi o sótão, aquele banco e aquele tijolo, naquela janela, luz muito pouca. Pensei ler ali As Ruínas Circulares do Borges, porque de sótãos sei eu e talvez aparecesse pouca gente, mas devo ter fechado os olhos, que era como gostaria que me ouvissem ler, e rebolei pela escada, dando comigo no piso de baixo, esborrachada numa divisão-parede muito esquisita. Fechei de novo os olhos aflitos e valeu-me a Beatriz Hierro Lopes, menina nova de escrita antiga, cujas palavras em Molduras me parecem rimar com tudo isto.
Mas o que eu queria era respirar fundo e, como sempre o fiz melhor em espaços pequeninos, encontrei um outro canto, recolhido, onde poderia, tenho a certeza, ter-me aninhado, ali onde imaginei chuva a bater na vidraça. Levo nos bolsos alguns restos meus, a ver como se aguentam por umas horas em espaço alheio (taditos, que já perderam o seu espaço), entre os restos da maravilhosa e infinita casa dos Ferrand e a inquietação quanto ao que poderá um dia vir a ser.
Levo nesta visita a prestimosa paciência técnica do meu querido Zé Diogo.
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