Esta casa deixada a meio num estado simultâneo de
desconstrução e obra, congelada num impasse entre o
passado e a ideia de um futuro eminente, levanta a questão
da transição. Por um lado, as paredes contam-nos os
estágios da construção (vida): ora nos contam a história
de uma casa senhorial de alto pé direito e divisões grandes
forradas a padrões e cores; ora o declínio e a realidade
física da dor através dos vestígios das demolições; ora
ainda de um progresso levantado por novas técnicas
construtivas (paredes de gesso), ainda que adiado pela
crise. Por outro, a própria organização espacial da casa que
devido ao seu esventramento se vê ausente de quaisquer
vãos, anula a noção de transição sequencial promovendo
relações anacrónicas entre os vários momentos de
intervenção na casa.
Deste aparato temporal que resulta da sobreposição dos
diferentes níveis de intervenção na casa, que sugerem uma
luta constante com as contingências da vida, poderemos
fazer a ponte para uma continuidade de Cândido, ou o
Optimismo*, colocando-nos outra vez no jardim que
deve ser cultivado, como escreveu Voltaire. A partir
daqui, poderemos encarar a ruína como o espírito de um
momento de contemplação onde, como Jano, olharemos
para o passado e o futuro ao mesmo tempo, e assim, tanto
as paredes antigas como as paredes lançadas servirão de
mote para nos fazer pensar que será talvez na transição
que nos devemos fixar.
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* Exposição do Colectivo P5realizada em 2013.
Frederico Martinho
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