Vanda Ecm & CJ
Infinitum Dialogus
sob o Alto Patrocínio de Isidore Isou
Máquina de reescrita e leitura vozeada, com tecnologia sofisticada, tributo ao experimentalismo oulipiano e letrista, refuta a tese “quase toda a expressão artística centrada no artefacto tecnológico é aborrecida”, Luís Lucas Pereira.
Este dispositivo deverá ser entendido como uma espécie de clinamen[i] em que, usando a tecnologia, se pretende explorar o sentido da aparente ausência do mesmo que consequentemente, para nós, contrariará a monotonia intoxicante que atrofia a sociedade atual.
Pretendemos, no final, concretizar um processo de humanização por meio de uma criação artística interativa que preencherá um espaço, por nós, voluntariamente deixado vazio.
A máquina que se apresenta congrega duas valências. Numa, serão explorados os sons da linguagem no âmbito das possibilidades acústicas e do funcionamento do aparelho fonador humano[ii], através de uma simbiose que consideramos para além da física, agilizada pelo utilizador que combinará os tons (vibrações periódicas) e os ruídos (vibrações não periódicas). Propomos ao visitante uma atitude de análise ou descodificação, não através das científicas curvas sinusoidais (de acordo com o teorema de Fourrier), mas recorrendo ao ouvido e às possibilidades (ou sensibilidades) que lhe permitirão atingir uma dimensão musical da língua[iii] (depois de ultrapassada a surpreendente quiçá chocante arbitrariedade do signo linguístico[iv] que, pretensamente, conhece).
A segunda valência desta máquina radica na estrutura dialógica que a linguagem verbal proporciona no contexto dramático ou cinematográfico (ao qual retirámos a imagem). Aproximamos, deste modo, os registos que ora se apresentam das noções patafísicas que informam o Teatro do Absurdo[v] e que motivam questionar se é possível ver o que não existe ou fazer com que não exista o que se vê (ou crê ver). Tendo em conta que esta forma de entender a dramatização pretende promover a desvalorização radical da linguagem deixando que a beleza emane das imagens concretas, nós propomos que a capacidade individual de visualizar o que não existe (porque não se vê) concretize esse objetivo e que, através da escuta ativa de excertos de diálogos, o utilizador encontre o rinoceronte que esmagou o gato[vi], isto é, o verdadeiro sentido visual que lá não está.
Segundo o Dr. Faustroll, Deus é o ponto tangencial ente zero e o infinito, e nós buscámos um deus (João de seu nome) criado pelo cineasta J. César Monteiro, cuja trilogia sobejamente conhecida nos pareceu claramente patafísica (afinal o seu criador e protagonista é sem dúvida um homem de certa forma impróprio como o próprio Dr. Faustroll). Encontrámos aqui, então, uma fértil fonte para a matéria a manipular na máquina destes Infinitum Dialogus.
Em síntese, o nosso objetivo será extrair a noção de intenção de comunicação inerente aos fenómenos, contrariando Epicuro para quem “o sangue é signo da ferida”, ou dito de outra forma, pretendemos fornecer o “sangue” para que o visitante/utilizador da máquina encontre a fissura que o emana (divertindo-se?).
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[i] Nome latino atribuído por Lucrécio ao desvio imprevisível de átomos, a partir da doutrina atomista de Epicuro. Esta noção foi explorada por Alfred Jarry, como se verifica pela máquina de pintura do Dr. Faustroll intitulada Climanen, precisamente. Posteriormente, o grupo Oulipo retomou e explorou o mesmo conceito, influenciado pelo Colégio de Patafísica.
[ii] Partindo de Bertil Malmberg, exploram-se as três partes que compõem o aparelho fonador humano: o aparelho respiratório, que fornece a corrente de ar necessária para a maioria dos sons da linguagem; a laringe, que cria a energia sonora empregada na fala; as cavidades supraglóticas, que actuam como ressoadores e onde se produz a maior parte dos ruídos utilizados na fala.
[iii] A dimensão musical da língua era considerada como motivo fundamental das experiências levadas a cabo pelos letristas, liderados por Isidore Isou.
[iv] Ferdinand Saussure agilizou o Curso de Linguística Geral na Universidade de Genebra, entre os anos de 1906 e 1911. Saussure designa por signo linguístico a união positiva entre dois elementos: significado e significante – o significado indica o conceito e o significante a imagem acústica. De acordo com este linguista, a relação entre significante e significado é marcada pela arbitrariedade, no sentido em que corresponde a uma convenção reconhecida pelos falantes de uma língua.
[v] Segundo a definição de Esslin (1961), “The Theater of the Absurd strives to express its sense of the senselessness of the human condition and the inadequacy of the rational approach by the open abandonment of rational devices and discursive thought, and it does so through 'a poetry that is to emerge from the concrete and objectified images of the stage itself'.”
[vi] Rhinocéros é uma peça de teatro de Eugène Ionesco, escrita em 1959. Esta obra foi incluída no estudo de Esslin sobre o Teatro do Absurdo.
Infinitum Dialogus
sob o Alto Patrocínio de Isidore Isou
Máquina de reescrita e leitura vozeada, com tecnologia sofisticada, tributo ao experimentalismo oulipiano e letrista, refuta a tese “quase toda a expressão artística centrada no artefacto tecnológico é aborrecida”, Luís Lucas Pereira.
Este dispositivo deverá ser entendido como uma espécie de clinamen[i] em que, usando a tecnologia, se pretende explorar o sentido da aparente ausência do mesmo que consequentemente, para nós, contrariará a monotonia intoxicante que atrofia a sociedade atual.
Pretendemos, no final, concretizar um processo de humanização por meio de uma criação artística interativa que preencherá um espaço, por nós, voluntariamente deixado vazio.
A máquina que se apresenta congrega duas valências. Numa, serão explorados os sons da linguagem no âmbito das possibilidades acústicas e do funcionamento do aparelho fonador humano[ii], através de uma simbiose que consideramos para além da física, agilizada pelo utilizador que combinará os tons (vibrações periódicas) e os ruídos (vibrações não periódicas). Propomos ao visitante uma atitude de análise ou descodificação, não através das científicas curvas sinusoidais (de acordo com o teorema de Fourrier), mas recorrendo ao ouvido e às possibilidades (ou sensibilidades) que lhe permitirão atingir uma dimensão musical da língua[iii] (depois de ultrapassada a surpreendente quiçá chocante arbitrariedade do signo linguístico[iv] que, pretensamente, conhece).
A segunda valência desta máquina radica na estrutura dialógica que a linguagem verbal proporciona no contexto dramático ou cinematográfico (ao qual retirámos a imagem). Aproximamos, deste modo, os registos que ora se apresentam das noções patafísicas que informam o Teatro do Absurdo[v] e que motivam questionar se é possível ver o que não existe ou fazer com que não exista o que se vê (ou crê ver). Tendo em conta que esta forma de entender a dramatização pretende promover a desvalorização radical da linguagem deixando que a beleza emane das imagens concretas, nós propomos que a capacidade individual de visualizar o que não existe (porque não se vê) concretize esse objetivo e que, através da escuta ativa de excertos de diálogos, o utilizador encontre o rinoceronte que esmagou o gato[vi], isto é, o verdadeiro sentido visual que lá não está.
Segundo o Dr. Faustroll, Deus é o ponto tangencial ente zero e o infinito, e nós buscámos um deus (João de seu nome) criado pelo cineasta J. César Monteiro, cuja trilogia sobejamente conhecida nos pareceu claramente patafísica (afinal o seu criador e protagonista é sem dúvida um homem de certa forma impróprio como o próprio Dr. Faustroll). Encontrámos aqui, então, uma fértil fonte para a matéria a manipular na máquina destes Infinitum Dialogus.
Em síntese, o nosso objetivo será extrair a noção de intenção de comunicação inerente aos fenómenos, contrariando Epicuro para quem “o sangue é signo da ferida”, ou dito de outra forma, pretendemos fornecer o “sangue” para que o visitante/utilizador da máquina encontre a fissura que o emana (divertindo-se?).
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[i] Nome latino atribuído por Lucrécio ao desvio imprevisível de átomos, a partir da doutrina atomista de Epicuro. Esta noção foi explorada por Alfred Jarry, como se verifica pela máquina de pintura do Dr. Faustroll intitulada Climanen, precisamente. Posteriormente, o grupo Oulipo retomou e explorou o mesmo conceito, influenciado pelo Colégio de Patafísica.
[ii] Partindo de Bertil Malmberg, exploram-se as três partes que compõem o aparelho fonador humano: o aparelho respiratório, que fornece a corrente de ar necessária para a maioria dos sons da linguagem; a laringe, que cria a energia sonora empregada na fala; as cavidades supraglóticas, que actuam como ressoadores e onde se produz a maior parte dos ruídos utilizados na fala.
[iii] A dimensão musical da língua era considerada como motivo fundamental das experiências levadas a cabo pelos letristas, liderados por Isidore Isou.
[iv] Ferdinand Saussure agilizou o Curso de Linguística Geral na Universidade de Genebra, entre os anos de 1906 e 1911. Saussure designa por signo linguístico a união positiva entre dois elementos: significado e significante – o significado indica o conceito e o significante a imagem acústica. De acordo com este linguista, a relação entre significante e significado é marcada pela arbitrariedade, no sentido em que corresponde a uma convenção reconhecida pelos falantes de uma língua.
[v] Segundo a definição de Esslin (1961), “The Theater of the Absurd strives to express its sense of the senselessness of the human condition and the inadequacy of the rational approach by the open abandonment of rational devices and discursive thought, and it does so through 'a poetry that is to emerge from the concrete and objectified images of the stage itself'.”
[vi] Rhinocéros é uma peça de teatro de Eugène Ionesco, escrita em 1959. Esta obra foi incluída no estudo de Esslin sobre o Teatro do Absurdo.
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