Susana Gonçalves
TRATADO SOBRE A ESTUPEFAÇÃO E OUTRAS INQUIETAÇÕES DO ESPÍRITO
Parafraseando o Rei Ubu, arte perfeita é merdre.
A vida é imperfeita. Os humanos são imperfeitos. A arte não é, não deve ser perfeita. Na vida nada nos vem na forma acabada nem em modo redondo. A arte precisa reconciliar arestas e deixar-se ir, sem querer ser mais do que é, apenas um modo de ocupar o tempo, como outro qualquer.
Por isso, o imperfecionismo é o mais realista dos movimentos artísticos. Este movimento ainda por inventar, ajusta-se na perfeição à filosofia das questões insolúveis, à fusão de tempos, lugares e identidades que caracteriza a época actual, às rugosidades das relações humanas, às irregularidades da natureza, às cicatrizes deixadas pelos incidentes da vida e das más decisões, ao belo que vive dentro do feio e ao seu reverso, ao amor e ao desamor e a todos os sentimentos tormentosos, à embriagues e ao caos das emoções fortes e das grandes aventuras, à imperfeição do ato de criar e à incompletude da contemplação.
É no imperfecionismo que se inscrevem os objectos artísticos discrepantes que vos proponho, um videograma e dois quilts. Propositadamente expressos em linguagens aparentemente inconciliáveis, a mediática, que nos ilustra o futuro e a artesanal, que nos ilustra o passado, estas produções metaforizam a imperfeição, o caos, a incerteza, a desarmonia, a disfuncionalidade, a coincidência e os significados ocultos.
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