Francisco Feio
três manuscritos de Faustroll sobre retratos de Ubu
O presente trabalho consta da apropriação de três reproduções modernas de originais encontrados na Bibliothèque littéraire Jacques Doucet em Paris, dentro do manuscrito autógrafo de Alfred Jarry, Docteur Faustroll, que serviu de base à edição póstuma de 1911 de Gestes et opinions du docteur Faustroll, pataphysicien. Este manuscrito, um dos dois existentes, faz parte da incorporação do fundo Tristan Tzara, que nutria uma grande admiração por Jarry e que conseguiu reunir uma série de documentos e manuscritos do autor. Curiosamente, o exemplar em questão tem uma capa pirogravada por Picasso que terá disputado com o próprio Tzara a aquisição do volume manuscrito.
Pouco se sabe acerca destas imagens. Estavam dentro de um envelope, quase colado à capa interior e desconhece-se se foi lá posto por Tzara ou por Jarry. São três provas em calotipia, de autor desconhecido e devem datar entre 1896, a data de Ubu e 1898 a data do manuscrito de Faustroll. Esta datação é segura por causa da inscrição a lápis no verso das fotografias: essais ratées pour portrait d’Ubu e, numa delas, é acrescentada a inscrição realisée chez [ilegível…] a Paris. Desconhece-se ao certo o autor. Apesar de Jarry dedicar uma atenção particular às imagens, sobretudo à gravura e às suas técnicas (editou pelo menos duas revistas profusamente ilustradas), não se conhece nele um interesse particular na fotografia.
Dados os seus conhecimentos e amizades no campo das artes, é normal que tenha tido a colaboração de um fotógrafo apesar das imagens presentes estarem completamente falhadas do ponto de vista técnico. Também não tem sido fácil a identificação do fotógrafo uma vez que a técnica da calotipia (que produz um negativo em papel que depois é positivado numa outra de folha de papel, por contacto), já tinha tido os seus dias de glória e os seus grandes praticantes tinham já abandonado as carreiras ou desaparecido. Uma das facilidades do processo é que utiliza papel comum que é sensibilizado com uma solução de prata. Este processo fotográfico tem, entre outras, duas características: permite a utilização de um vasto leque de papéis na feitura das fotografias (positivos e negativos) e tem uma estética muito diferente da daguerreotipia ou do colódio e das provas em albumina; apresenta uma maior sensualidade na imagem obtida na manipulação dos papéis (a sua escolha) e na sua revelação.
É de notar que algumas das folhas que foram utilizadas para fazer os positivos, são folhas impressas de provas de impressão do próprio texto o que revela uma grande proximidade entre Jarry e o fotógrafo uma vez que ninguém teria acesso fácil a estas provas. Este facto, juntamente com a fraca resolução técnica, já levou a equacionar que as fotografias em causa poderiam ter sido realizadas pelo próprio Jarry. Por enquanto e pelo que se sabe, esta hipótese é mera especulação se bem que não seja de descartar completamente. Mais e melhor investigação será necessária para se poder provar esta ligação. Serão também, a par com a gravura do próprio Jarry, a tentativa mais antiga de representação de Ubu o que as torna percursoras da conhecida fotografia que Dora Maar fará 40 anos mais tarde. Estas fotografias foram usadas como suporte para intervenções de desenho e pintura e igualmente como superfície de escrita, sendo que há partes do texto manuscritas nas fotografias e que são obviamente os primeiros rascunhos da obra.
francisco feio, jan 2917, parede
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