
A imagem do suicídio de Thomas Chatterton (n. Bristol, 1752), imortalizada pelo pintor Henry Wallis em The Death of Chatterton (1856), representou o arquétipo romântico do jovem poeta belo, ignorado e incompreendido que, no infortúnio da sua solidão, põe fim ao génio criativo, destruindo a sua poesia e cometendo suicídio. Thomas Chatterton concebeu e fantasiou a existência de um poeta monge do século XV, Thomas Rowley, a quem atribui a sua própria poesia e obras dramáticas. De tal forma foi bem sucedido que só após a sua morte se instalou a polémica acerca da autenticidade deste monge e da sua obra. Contudo, pouca atenção mereceram os seus escritos publicados em vários jornais e periódicos sob várias formas, desde a intervenção política, à sátira, prosa ou poesia. Acompanhou este desinteresse a escassez de recursos monetários e uma subsistência arrastada. É encontrado morto, com intoxicação arsenical, aos 17 anos de idade, criando-se o mito do jovem poeta negligenciado que, num último acto de desespero, se suicida. O seu génio poético, a sua vida misteriosa e, sobretudo, a simbologia romântica do contexto da sua morte foram recorrentemente solenizados em várias obras literárias, sendo-lhe inclusive dedicada atenção em obras operáticas. Recentemente, a fotógrafa inglesa Sam Taylor-Wood retoma a imagem do jovem suicida de Henry Wallis em Soliloquy I (1998), recriando, num ambiente actual, a mesma atmosfera dramática da pintura pré-rafaelista.
Investigação rigorosa recente realizada por estudiosos da Universidade de Bristol aos escritos do poeta e aos registos da época, vem porém comprometer esta visão mitográfica da memória do poeta, sempre transmitida de forma apaixonada e acrítica. Nem Thomas Chatterton vivia na pobreza, ganhando mesmo somas significativas de dinheiro, nem os seus textos deixavam de ser publicados com sucesso. Foi ainda encontrada evidência de que a sua morte teria resultado da ingestão acidental de arsénio, obtido com fins terapêuticos na tentativa de cura de doença venérea, ou por um cálculo errado da dose ou pela mistura com o ópio que também costumava tomar.
Sendo assim, esfuma-se o valor simbólico do ícone romântico, alicerçado na inocência da juventude e no acto voluntário que interrompe irreversivelmente o curso da criação. Pouco relevante passa a ser a imagem do jovem candidamente adormecido num sono que pressupomos eterno. O que fica somente é o desespero assustador daqueles últimos momentos de percepção da morte, ditados pela imponderabilidade de um acaso trágico, e que a vontade não pode reverter ou alterar. Todas aquelas palavras que tinha na cabeça e todas aquelas que lhe imaginava afluírem perder-se-iam para sempre na morte prematura. Restaria, provavelmente, apenas um único gesto capaz de sobreviver à morte, retratar-se dissimulando um acidente que afinal não é capaz de ocultar.

3 comentários:
ZP, ainda bem que resolveste publicar isto. Renovo aqui os meus extensos e ruidosos anteriores aplausos.
Mas olha lá: o Chatterton nasceu em que ano? Melhor, em que século? Tchi... no melhor pano cai a nódoa... ou vice-versa.
sorry... 1752, já corrigido.
...Uma nódoa pequenina...
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